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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Exportação

O trabalho em microempresa por vezes pode se tornar, digamos assim, algo pitoresco. Aquela simpática empresa era voltada para o segmento de cursos. Era presidida por dois sócios: o visionário Barros e sua esposa Cândida. E possuía três funcionários: Jorge, José e o estagiário Armando Mário.

O local funcionava como um escritório durante o dia e, após às 18:00h, transformava-se em curso presencial. Como o foco da empresa era cursos, a estrutura de suas mesas e cadeiras tinha aquele estilo "duas fileiras de mesas que continham dois computadores cada". 

Era um local bem estruturado, com um singelo detalhe: ficava situado no segundo andar de um pequeno prédio, bem acima de um aviário. Por isso, dia e noite, noite e dia, sentia-se aquele olor inspirador de codornas, galinhas, galos e patos vivos, misturado a todo o produto fisiológico dos mesmos.

Voltando à finalidade da história, o sócio-marido Barros estava discutindo questões de projeto com José, funcionário mais experiente daquela pequena equipe. Enquanto os dois discutiam, José fazia anotações em seu pequeno bloco de notas.

Foi quando a sócia-esposa Cândida interrompeu a reunião com a seguinte pergunta:

- Barros, como eu faço para exportar um arquivo de TIFF para JPEG através do Outlook?

Barros franziu a testa e respondeu:

- Cândida, não é possível fazer esse tipo de exportação pelo Outlook. Você deve utilizar programas específicos para exportação de imagem.
- Mas dá para fazer pelo Outlook, sim! Eu sei que dá!
- Não dá não...
- Tenho amigos que já fizeram, eu sei que dá!
- Não dá...
- Dá!
- Não dá.
- Dá sim!

Barros respirou fundo, contou até oito e respondeu, com o intuito de encerrar a conversa:

- Já falei que não dá, oh, animal!!! - Ele não conseguiu contar até dez.

Cândida respirou com os olhos as lágrimas que estavam prestes a cair e retrucou:

- Não me chame de animal, porque eu já falei MIL VEZES que não gosto!!!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Aparício (Parte 2 - Final): Choque de Realidade

Durante os três anos posteriores à sua pseudopromoção, Aparício foi gradativamente perdendo a empolgação de trabalhar naquela empresa e, no fim das contas, já concordava plenamente com todas as reclamações de seus colegas veteranos. Ele, que até então tinha ótimas avaliações de desempenho, sempre que solicitava uma promoção ou então uma simples troca de área para conhecer coisas novas, escutava que não era possível. Se já não bastasse, nestes momentos os gestores faziam questão de destacar os seus defeitos, sendo que o principal deles era a timidez.

Como se todos os profissionais que conquistavam algo ali fossem perfeitos e com um comportamento sempre irrepreensível. Como se a timidez fosse um defeito ou uma doença. Ou pior, que pessoas tímidas são sinônimos de pura ingenuidade, podendo ser facilmente manipuladas. Por diversas vezes em sua carreira profissional, Aparício viu pessoas que trabalhavam pouco, mas que eram extrovertidas, conseguirem oportunidades melhores que pessoas que trabalhavam muito, mas eram tímidas. E quem não quer saber do batente e se torna um gestor, continua sendo alguém que não quer saber do batente, refletindo aquela figura do gestor capacho, que leva bronca de quem está acima e faz quem está abaixo trabalhar mais, mais, mais.

É claro que um profissional que consegue aliar trabalho produtivo com desenvoltura no trato com as pessoas já sai na frente na concorrência por novas oportunidades. E possui grandes chances de se tornar um ótimo líder para a equipe e para a empresa. Aparício, por sua vez, passava longe de querer tornar-se um gestor. Mas se questionava sobre a dicotomia de ser tão bem avaliado e, ao mesmo tempo, sua timidez ser um fator tão grave a ponto de incapacitá-lo a novos desafios profissionais. Muito se fala em gestão e desenvolvimento de pessoas, mas o que ele acabou aprendendo ali, na realidade, foi: se o profissional não faz parte de grupos e não possui um comportamento super-hiper extrovertido, suas avaliações de desempenho transformam-se em papelão para fogueira de São João.

Aparício repensava sua vida. Sua autoestima profissional decaía a cada dia. Começou a procurar emprego em outras empresas, sem sucesso. Percebeu que seu trabalho era muito bom para a empresa onde estava trabalhando, mas que o mercado exigia mais conhecimentos. A alegria que ele sentia anteriormente em trabalhar ali transformou-se em repulsa, o que fez com que se dedicasse a realizar somente as tarefas que lhe eram solicitadas. Ele, que até então era um profissional muito dedicado, que gostava de criar coisas novas e que trabalhava muito além do tempo normal de expediente se necessário, passou a chegar atrasado ou ir embora mais cedo. Ou as duas coisas. Comportamento este que Aparício repudiava anteriormente. A vida dá voltas... 

De fato, não foi um bom comportamento. Mas ele não aguentava mais trabalhar ali. Passou a pedir que a empresa o demitisse. Só que a empresa não o demitia, com a prerrogativa de que um profissional com avaliações de desempenho tão boas não poderia ser demitido. Então pedia oportunidade em outra área e a resposta que recebia de seus gestores era que não havia oportunidades. Muito bem avaliado e incapacitado para novas oportunidades... Aparício tinha um expertise muito especifico na área operacional, que somente ele exercia. E como não havia uma pessoa para substituí-lo rapidamente, acabou prisioneiro do seu próprio conhecimento. 

Justo na fase em que Aparício estava no auge de sua apatia pelo trabalho, seu gestor Tavares lhe concedeu um aumento irrisório, que ele não havia solicitado. Com este choque de realidade, Aparício concluiu que a mentalidade medíocre de seus gestores era: "Mantém ele ali, senão vai dar merda." E associou aquele "modelo de gestão de pessoas" a algo que enxergava os colaboradores como criaturas destituídas de inteligência, que somente precisavam de um pouco de ração para ficarem caladas e satisfeitas. No ápice de sua tristeza, chegou a escrever uma carta para Deus pedindo para que a empresa o demitisse e pagasse seus benefícios, para que ele pudesse fazer cursos de atualização durante três meses e voltar para o mercado de trabalho na função que gostaria de exercer. Um tanto arriscado e idealista. Guardou a carta em casa, em sua gaveta.

Finalmente, após uma longa maré de sofrimento, seu gestor Tavares, convencendo-se de que Aparício não acabaria bem se continuasse trabalhando na área operacional, transferiu-o para outra área que, pode-se dizer, era uma ramificação da própria área operacional. Contudo, obviamente, sem qualquer promoção ou aumento salarial. Aparício recuperou um pouco da empolgação no início, mas com o tempo percebeu que, na verdade, ao trocar de área, acumulou as tarefas que não suportava mais desempenhar na área operacional com as tarefas da nova área. Passou então a ser cobrado por Guedes, seu novo gestor, e, também, pelos funcionários do Tavares, que exigiam presteza na realização das tarefas solicitadas.

Aparício, que sempre vestiu a camisa da empresa, estava prestes a vestir uma camisa de força. Por isso, pensava constantemente em tomar uma atitude drástica: já que a empresa não o demitia, ele mesmo iria pedir demissão, sair de lá com uma mão na frente e outra atrás e arcar com as consequências da vida. Porém, em um último lapso de sanidade, resolveu procurar outras formas de suportar melhor o dia a dia do trabalho. Passou a participar do futebol de sexta-feira que alguns colegas organizavam. O futebol era um grande alento para Aparício. Lá ele se divertia e podia extravasar o estresse que sentia no trabalho.

Em uma destas sextas-feiras, durante o jogo, seu colega estava carregando a bola e Aparício estava correndo ao seu lado, esperando o passe para chutar ao gol. Nisso, ele sentiu uma fisgada na perna e começou a mancar. Seu colega não percebeu e passou a bola para ele. Com muita dor, ele carregou a bola com a perna esquerda contundida, chutou com a direita no canto esquerdo do goleiro, marcou o gol e saiu do jogo. Sua perna estava com um inchaço enorme.

Da quadra de futebol, Aparício foi direto ao hospital. Ruptura de doze centímetros na musculatura. Um mês afastado pelo INSS. Como sua contusão o incapacitava de frequentar cursos, adquiriu livros e aproveitou esse mês para estudar muito.  Ao fim do mês, fez outro exame médico e não foi liberado para voltar ao trabalho. Dois meses de estudo... Três meses de estudo. Deus realmente escreveu certo por linhas tortas. Aparício havia pedido para ser demitido e estudar durante três meses na carta que escreveu a Deus. A contusão fez com que ele ficasse três meses afastado do trabalho, estudando, recebendo salários e benefícios.

Após menos de um mês de sua volta da licença médica ao trabalho, Aparício participou de um processo seletivo para a vaga que desejava ocupar, em outra empresa. Foi aprovado. Informou ao gestor Guedes em uma conversa particular e este retrucou:

- Você tem certeza? Não deseja ouvir uma contraproposta?

Aparício sorriu, ergueu a cabeça e respondeu:

- Esta empresa nunca valorizou meu trabalho. Agora já é tarde para propostas...

Teve a bondade de ficar mais quinze dias para passar seu trabalho a um colega e foi embora dali aliviado, sem medo, sem culpa e sem saudades.

Um brinde a todos os profissionais tímidos que estão na luta diária, com muita produtividade e ótimas ideias. Muita fé!

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Aparício (Parte 1): A Promoção

Início de um novo ano. O anterior havia sido muito difícil, repleto de mudanças, demissões e sobrecarga de trabalho. Parecia que tudo continuaria de mal a pior e que aquele seria mais um ano repleto de tristes emoções para os colaboradores.

Porém, algo estranho estava ocorrendo. Tudo começou a ficar mais organizado. Os projetos passaram a ter prazos tangíveis aos colaboradores. Os gestores diminuíram acentuadamente os pedidos para que os funcionários continuassem trabalhando após o horário de expediente e/ou aos sábados. As pessoas foram ficando mais calmas, felizes.

Um ótimo indício da melhoria do clima organizacional era que havia descido ao percentual zero a incidência daquela pergunta infame que os outros funcionários faziam quando algum colega resolvia ir embora ao final das oito horas normais de expediente: "Tá desmotivado?" Esta é, certamente, a pergunta mais irritante do mundo corporativo. Todas as gerações - atual e seguintes - de quem faz esta pergunta deveriam ser amaldiçoadas.

Dizem que depois da tempestade vem a bonança. De fato, tudo estava melhor. Mas, a cereja do bolo ainda estava por vir. Numa bela manhã de janeiro, Tavares, gestor da área operacional, reuniu-se com a equipe para informar que a área de Recursos Humanos estava fazendo uma revisão para reenquadramento de cargos e salários e que os colaboradores teriam boas novidades até o mês de março.

Ou seja, dois meses de sonhos, expectativa e bom humor. Pelo menos para o pudico Aparício, analista júnior, esforçado e com vontade de crescer na empresa. Enquanto a maioria de seus colegas veteranos andava um tanto desmotivada, dizendo a boca miúda que a empresa não cuidava de seus colaboradores como deveria, Aparício tinha sangue nos olhos e não escutava. Era quase sempre um dos primeiros a chegar e um dos últimos a ir para casa.

Esta questão de cargos e salários era tão complicada que seu colega Elias, meses antes, havia recebido uma promoção e, ao ser perguntado qual cargo ocuparia, respondeu, emotivamente:

- Analista de PN.
- O que é PN?
- Porra Nenhuma.

Fatos como esse ocorriam porque, naquela empresa, muitas vezes os gestores vendiam como promoção a mudança de função, com acúmulo de mais trabalho e um aumento salarial irrisório. Para complementar, vendiam para profissionais de coração puro, como Aparício, "tarefas-bombas" como sendo projetos desafiadores para a carreira.

Os colegas chamavam Aparício de "bucha" pelas costas e, no contato pessoal, de "o cara". Já os gestores, que não eram bobos nem nada, viviam chamando-o de proativo e tratando-o como funcionário modelo na frente da equipe. O que levou seus colegas a chamá-lo de "puxa-saco", pelas costas.

Ele ficava lisonjeado com elogios, tapinhas nas costas e, portanto, aceitava docilmente calhamaços gigantescos de trabalho burocrático que ninguém queria fazer. Por tudo isso, Aparício estava muito confiante e trabalhando mais e mais. Tudo em prol do desenvolvimento e crescimento profissional.

Eis que chegou o grande dia de março: o dia em que os colaboradores teriam os seus cargos e salários reenquadrados. Aparício não cabia em si, em sua ansiedade calada. O esforço, após três anos de trabalho árduo, seria enfim recompensado.

Os gestores estavam convocando os colaboradores, um por um, a uma sala reservada, onde entregavam uma carta informando ao colaborador:

1) O cargo que iria ocupar.
2) Se o colaborador tivesse sido promovido, a carta informava o aumento salarial que receberia a partir do mês seguinte.
3) Completando o item 2, havia na carta também a promessa de um segundo aumento salarial que ocorreria em março do ano seguinte.

A situação de Aparício até aquela data era a seguinte: analista júnior, com um salário de R$ 2.000,00 brutos. E ele sonhava acordado com um substancial aumento... No momento em que Tavares, seu gestor, o chamou à sala, seu coração acelerou e suas pernas tremeram de ansiedade e emoção. Logo que Aparício entrou, Tavares sorriu, entregou a carta e disse:

- Abre!

Aparício, com as mãos trêmulas, retirou cuidadosamente o belo adesivo que continha a logomarca da empresa e abriu a carta. Logo de cara, na primeira linha, uma grande alegria: ele havia sido promovido a analista pleno! Metódico como era, leu todo o texto que continha na carta até chegar, finalmente, a seu novo salário:

- Nossa... R$ 93,00 de aumento? - perguntou, com a expressão murchinha da Silva.

Tavares, percebendo a decepção, começou a gaguejar e explicou que outros funcionários mais antigos, por muitos anos, ficaram com o salário defasado. Por esse motivo, eles haviam sido priorizados no reenquadramento e a fatia que cabia a Aparício, desta feita, era pequena, em prol dos injustiçados.

Aparício, o mártir resignado, voltou ao trabalho com a carta na mão. Ele a guardou em casa a fim de verificar se a empresa iria cumprir a promessa do segundo aumento, em março do ano seguinte. E ela cumpriu! O salário de Aparício passou de R$ 2.093,00 para R$ 2.197,65 brutos.

Era o mês do dissídio.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Pode Contar Comigo

A empresa estava passando por um momento de grande turbulência. Nenhum colaborador se sentia seguro no emprego. Momento de mudanças estruturais e, para variar, cortes e mais cortes de pessoas. Só na área operacional, foram oito numa leva só.

Com este cenário caótico, as áreas de RH e Marketing da empresa se uniram para bolar uma campanha que deixasse os funcionários, que sobreviveram em seus cargos, mais seguros e com a autoestima mais elevada, no esquema "We are the champions, my friend." Seguindo este preceito, o resultado foi a criação de um colete contendo a frase "Pode contar comigo", que foi distribuído para todos os funcionários, de todas as áreas.

Um colete vistoso, no estilo daqueles que utilizamos para jogar uma "pelada" e que costumam causar alívio nos jogadores que estão fora de forma, pois, em jogos do time de colete contra o time sem colete, não é necessário tirar a camisa e ficar com aquela banha balançando enquanto corre, provocando o riso e a chacota das pessoas que estão assistindo ao jogo duro. Duro de assistir...

Voltando à real finalidade do colete, a frase situava-se na parte da frente e a logomarca da empresa ficava estampada nas costas. E o sentido, obviamente, era tranquilizar todos os colaboradores remanescentes na empresa após o catastrófico passaralho. Ora, se estou vestindo um colete escrito "Pode Contar Comigo", então minha permanência na empresa está garantida! 

Mas, analisando sob outro prisma, esta conclusão não é lógica... Se estou vestindo um colete que informa à empresa que pode contar comigo, consequentemente EU estou oferecendo a continuidade dos meus préstimos. Logo, continuo correndo o risco da empresa responder: "Não, obrigada."

É nesse ponto da história que entra a figura do Tavares, gestor operacional, que também estava orgulhosamente vestindo o seu colete. Ele fez questão de reunir a equipe para bater uma foto. Todos os sobreviventes do massacre trajando aquele "troféu", congelados pelo tempo, fazendo história...

Como todo bom gestor, Tavares resolveu direcionar algumas palavras à equipe antes da foto. Ajeitou a postura, deu aquela limpada no pigarro e empostou a voz, falando, inebriado por seu espírito motivador:

"Pessoal, agora podemos respirar sossegados. Até dezembro estamos todos garantidos!"

Era mês de outubro...

Créu! Quer dizer, click!