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terça-feira, 15 de outubro de 2013

Aparício (Parte 2 - Final): Choque de Realidade

Durante os três anos posteriores à sua pseudopromoção, Aparício foi gradativamente perdendo a empolgação de trabalhar naquela empresa e, no fim das contas, já concordava plenamente com todas as reclamações de seus colegas veteranos. Ele, que até então tinha ótimas avaliações de desempenho, sempre que solicitava uma promoção ou então uma simples troca de área para conhecer coisas novas, escutava que não era possível. Se já não bastasse, nestes momentos os gestores faziam questão de destacar os seus defeitos, sendo que o principal deles era a timidez.

Como se todos os profissionais que conquistavam algo ali fossem perfeitos e com um comportamento sempre irrepreensível. Como se a timidez fosse um defeito ou uma doença. Ou pior, que pessoas tímidas são sinônimos de pura ingenuidade, podendo ser facilmente manipuladas. Por diversas vezes em sua carreira profissional, Aparício viu pessoas que trabalhavam pouco, mas que eram extrovertidas, conseguirem oportunidades melhores que pessoas que trabalhavam muito, mas eram tímidas. E quem não quer saber do batente e se torna um gestor, continua sendo alguém que não quer saber do batente, refletindo aquela figura do gestor capacho, que leva bronca de quem está acima e faz quem está abaixo trabalhar mais, mais, mais.

É claro que um profissional que consegue aliar trabalho produtivo com desenvoltura no trato com as pessoas já sai na frente na concorrência por novas oportunidades. E possui grandes chances de se tornar um ótimo líder para a equipe e para a empresa. Aparício, por sua vez, passava longe de querer tornar-se um gestor. Mas se questionava sobre a dicotomia de ser tão bem avaliado e, ao mesmo tempo, sua timidez ser um fator tão grave a ponto de incapacitá-lo a novos desafios profissionais. Muito se fala em gestão e desenvolvimento de pessoas, mas o que ele acabou aprendendo ali, na realidade, foi: se o profissional não faz parte de grupos e não possui um comportamento super-hiper extrovertido, suas avaliações de desempenho transformam-se em papelão para fogueira de São João.

Aparício repensava sua vida. Sua autoestima profissional decaía a cada dia. Começou a procurar emprego em outras empresas, sem sucesso. Percebeu que seu trabalho era muito bom para a empresa onde estava trabalhando, mas que o mercado exigia mais conhecimentos. A alegria que ele sentia anteriormente em trabalhar ali transformou-se em repulsa, o que fez com que se dedicasse a realizar somente as tarefas que lhe eram solicitadas. Ele, que até então era um profissional muito dedicado, que gostava de criar coisas novas e que trabalhava muito além do tempo normal de expediente se necessário, passou a chegar atrasado ou ir embora mais cedo. Ou as duas coisas. Comportamento este que Aparício repudiava anteriormente. A vida dá voltas... 

De fato, não foi um bom comportamento. Mas ele não aguentava mais trabalhar ali. Passou a pedir que a empresa o demitisse. Só que a empresa não o demitia, com a prerrogativa de que um profissional com avaliações de desempenho tão boas não poderia ser demitido. Então pedia oportunidade em outra área e a resposta que recebia de seus gestores era que não havia oportunidades. Muito bem avaliado e incapacitado para novas oportunidades... Aparício tinha um expertise muito especifico na área operacional, que somente ele exercia. E como não havia uma pessoa para substituí-lo rapidamente, acabou prisioneiro do seu próprio conhecimento. 

Justo na fase em que Aparício estava no auge de sua apatia pelo trabalho, seu gestor Tavares lhe concedeu um aumento irrisório, que ele não havia solicitado. Com este choque de realidade, Aparício concluiu que a mentalidade medíocre de seus gestores era: "Mantém ele ali, senão vai dar merda." E associou aquele "modelo de gestão de pessoas" a algo que enxergava os colaboradores como criaturas destituídas de inteligência, que somente precisavam de um pouco de ração para ficarem caladas e satisfeitas. No ápice de sua tristeza, chegou a escrever uma carta para Deus pedindo para que a empresa o demitisse e pagasse seus benefícios, para que ele pudesse fazer cursos de atualização durante três meses e voltar para o mercado de trabalho na função que gostaria de exercer. Um tanto arriscado e idealista. Guardou a carta em casa, em sua gaveta.

Finalmente, após uma longa maré de sofrimento, seu gestor Tavares, convencendo-se de que Aparício não acabaria bem se continuasse trabalhando na área operacional, transferiu-o para outra área que, pode-se dizer, era uma ramificação da própria área operacional. Contudo, obviamente, sem qualquer promoção ou aumento salarial. Aparício recuperou um pouco da empolgação no início, mas com o tempo percebeu que, na verdade, ao trocar de área, acumulou as tarefas que não suportava mais desempenhar na área operacional com as tarefas da nova área. Passou então a ser cobrado por Guedes, seu novo gestor, e, também, pelos funcionários do Tavares, que exigiam presteza na realização das tarefas solicitadas.

Aparício, que sempre vestiu a camisa da empresa, estava prestes a vestir uma camisa de força. Por isso, pensava constantemente em tomar uma atitude drástica: já que a empresa não o demitia, ele mesmo iria pedir demissão, sair de lá com uma mão na frente e outra atrás e arcar com as consequências da vida. Porém, em um último lapso de sanidade, resolveu procurar outras formas de suportar melhor o dia a dia do trabalho. Passou a participar do futebol de sexta-feira que alguns colegas organizavam. O futebol era um grande alento para Aparício. Lá ele se divertia e podia extravasar o estresse que sentia no trabalho.

Em uma destas sextas-feiras, durante o jogo, seu colega estava carregando a bola e Aparício estava correndo ao seu lado, esperando o passe para chutar ao gol. Nisso, ele sentiu uma fisgada na perna e começou a mancar. Seu colega não percebeu e passou a bola para ele. Com muita dor, ele carregou a bola com a perna esquerda contundida, chutou com a direita no canto esquerdo do goleiro, marcou o gol e saiu do jogo. Sua perna estava com um inchaço enorme.

Da quadra de futebol, Aparício foi direto ao hospital. Ruptura de doze centímetros na musculatura. Um mês afastado pelo INSS. Como sua contusão o incapacitava de frequentar cursos, adquiriu livros e aproveitou esse mês para estudar muito.  Ao fim do mês, fez outro exame médico e não foi liberado para voltar ao trabalho. Dois meses de estudo... Três meses de estudo. Deus realmente escreveu certo por linhas tortas. Aparício havia pedido para ser demitido e estudar durante três meses na carta que escreveu a Deus. A contusão fez com que ele ficasse três meses afastado do trabalho, estudando, recebendo salários e benefícios.

Após menos de um mês de sua volta da licença médica ao trabalho, Aparício participou de um processo seletivo para a vaga que desejava ocupar, em outra empresa. Foi aprovado. Informou ao gestor Guedes em uma conversa particular e este retrucou:

- Você tem certeza? Não deseja ouvir uma contraproposta?

Aparício sorriu, ergueu a cabeça e respondeu:

- Esta empresa nunca valorizou meu trabalho. Agora já é tarde para propostas...

Teve a bondade de ficar mais quinze dias para passar seu trabalho a um colega e foi embora dali aliviado, sem medo, sem culpa e sem saudades.

Um brinde a todos os profissionais tímidos que estão na luta diária, com muita produtividade e ótimas ideias. Muita fé!

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