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quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Aparício (Parte 1): A Promoção

Início de um novo ano. O anterior havia sido muito difícil, repleto de mudanças, demissões e sobrecarga de trabalho. Parecia que tudo continuaria de mal a pior e que aquele seria mais um ano repleto de tristes emoções para os colaboradores.

Porém, algo estranho estava ocorrendo. Tudo começou a ficar mais organizado. Os projetos passaram a ter prazos tangíveis aos colaboradores. Os gestores diminuíram acentuadamente os pedidos para que os funcionários continuassem trabalhando após o horário de expediente e/ou aos sábados. As pessoas foram ficando mais calmas, felizes.

Um ótimo indício da melhoria do clima organizacional era que havia descido ao percentual zero a incidência daquela pergunta infame que os outros funcionários faziam quando algum colega resolvia ir embora ao final das oito horas normais de expediente: "Tá desmotivado?" Esta é, certamente, a pergunta mais irritante do mundo corporativo. Todas as gerações - atual e seguintes - de quem faz esta pergunta deveriam ser amaldiçoadas.

Dizem que depois da tempestade vem a bonança. De fato, tudo estava melhor. Mas, a cereja do bolo ainda estava por vir. Numa bela manhã de janeiro, Tavares, gestor da área operacional, reuniu-se com a equipe para informar que a área de Recursos Humanos estava fazendo uma revisão para reenquadramento de cargos e salários e que os colaboradores teriam boas novidades até o mês de março.

Ou seja, dois meses de sonhos, expectativa e bom humor. Pelo menos para o pudico Aparício, analista júnior, esforçado e com vontade de crescer na empresa. Enquanto a maioria de seus colegas veteranos andava um tanto desmotivada, dizendo a boca miúda que a empresa não cuidava de seus colaboradores como deveria, Aparício tinha sangue nos olhos e não escutava. Era quase sempre um dos primeiros a chegar e um dos últimos a ir para casa.

Esta questão de cargos e salários era tão complicada que seu colega Elias, meses antes, havia recebido uma promoção e, ao ser perguntado qual cargo ocuparia, respondeu, emotivamente:

- Analista de PN.
- O que é PN?
- Porra Nenhuma.

Fatos como esse ocorriam porque, naquela empresa, muitas vezes os gestores vendiam como promoção a mudança de função, com acúmulo de mais trabalho e um aumento salarial irrisório. Para complementar, vendiam para profissionais de coração puro, como Aparício, "tarefas-bombas" como sendo projetos desafiadores para a carreira.

Os colegas chamavam Aparício de "bucha" pelas costas e, no contato pessoal, de "o cara". Já os gestores, que não eram bobos nem nada, viviam chamando-o de proativo e tratando-o como funcionário modelo na frente da equipe. O que levou seus colegas a chamá-lo de "puxa-saco", pelas costas.

Ele ficava lisonjeado com elogios, tapinhas nas costas e, portanto, aceitava docilmente calhamaços gigantescos de trabalho burocrático que ninguém queria fazer. Por tudo isso, Aparício estava muito confiante e trabalhando mais e mais. Tudo em prol do desenvolvimento e crescimento profissional.

Eis que chegou o grande dia de março: o dia em que os colaboradores teriam os seus cargos e salários reenquadrados. Aparício não cabia em si, em sua ansiedade calada. O esforço, após três anos de trabalho árduo, seria enfim recompensado.

Os gestores estavam convocando os colaboradores, um por um, a uma sala reservada, onde entregavam uma carta informando ao colaborador:

1) O cargo que iria ocupar.
2) Se o colaborador tivesse sido promovido, a carta informava o aumento salarial que receberia a partir do mês seguinte.
3) Completando o item 2, havia na carta também a promessa de um segundo aumento salarial que ocorreria em março do ano seguinte.

A situação de Aparício até aquela data era a seguinte: analista júnior, com um salário de R$ 2.000,00 brutos. E ele sonhava acordado com um substancial aumento... No momento em que Tavares, seu gestor, o chamou à sala, seu coração acelerou e suas pernas tremeram de ansiedade e emoção. Logo que Aparício entrou, Tavares sorriu, entregou a carta e disse:

- Abre!

Aparício, com as mãos trêmulas, retirou cuidadosamente o belo adesivo que continha a logomarca da empresa e abriu a carta. Logo de cara, na primeira linha, uma grande alegria: ele havia sido promovido a analista pleno! Metódico como era, leu todo o texto que continha na carta até chegar, finalmente, a seu novo salário:

- Nossa... R$ 93,00 de aumento? - perguntou, com a expressão murchinha da Silva.

Tavares, percebendo a decepção, começou a gaguejar e explicou que outros funcionários mais antigos, por muitos anos, ficaram com o salário defasado. Por esse motivo, eles haviam sido priorizados no reenquadramento e a fatia que cabia a Aparício, desta feita, era pequena, em prol dos injustiçados.

Aparício, o mártir resignado, voltou ao trabalho com a carta na mão. Ele a guardou em casa a fim de verificar se a empresa iria cumprir a promessa do segundo aumento, em março do ano seguinte. E ela cumpriu! O salário de Aparício passou de R$ 2.093,00 para R$ 2.197,65 brutos.

Era o mês do dissídio.

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